Faixas do CD Memória do Jongo; encarte do livro Memória do Jongo: As gravações históricas de Stanley J. Stein. Vassouras, 1949. LARA,Silvia Hunold e PACHECO,Gustavo (Orgs.). Rio de Janeiro: Folha Seca; Campinas, SP: CECULT, 2007.pp. 177-191.
2 (027) :
Diabo de bembo* [?] [...]
Ô, [...]
Não deixou eu vestir calça, [...]
Ô, [...]
Não deixou vestir camisa, [...]
Ô, [...]
Não me deixou botar cueca, [...]
Aê, [...]
Não me deixou vestir chapéu, [...]
*Dembo: cf. Kimbundu ndembu, “potentado, autoridade superior [que tem sobas (chefes) sob sua jurisdição”; umbundu, ndembo, “mulher principal do soba, rainha”.
3 (0:20):
Tava dormindo cangoma* me chamou
Levanta povo que o cativeiro já acabou
*Cangoma (n.b. angoma, o tambor maior, de tronco escavado e de um couro só, usado no jongo-caxambu): cf. Kik.-kim. ngoma e umb. ongoma, “tambor” (...)
4(0:18):
Eu pisei na pedra* a pedra balanceou
O mundo tava torto rainha endireitou
Pisei na pedra a pedra balanceou
Mundo tava torto rainha endireitou
* Seg. Stein, Vassouras (ed. br.), p. 302: “Jongueiros recorreram aos acontecimentos de 13 de maio para inspiração, referindo-se à atitude vacilante do Imperador (‘pedra’) em relação à abolição, elogiando o ato de sua filha (‘rainha’): Eu pisei na pedra, pedra balanceou/ Mundo ‘tava torto, rainha endireitou”.
5(0:20): *
Não me deu banco pra mim sentar
Dona Rainha me deu cama,
não me deu banco pra me sentar
Um banco pra mim sentar
Dona Rainha me deu cama não me
Deu banco pra me sentar, ô iaiá
* Cf. Stein, pp. 304-5: “Correu um boato nos primeiros dias após a abolição acerca da distribuição de pequenos terrenos aos ex-escravos, mas nada jamais se materializou, e os libertos ‘ficaram quietos’, de acordo com um deles. No entanto, essa esperança não concretizada foi expressa em jongos de caxambu, disfarçados na metáfora amargurada, manifestada através da tradição africana e da servitude ao negro brasileiro: Ahi, não deu banco p’ra nos sentar/ Dona Rainha me deu cama, não deu banco p’ra me sentar”.
13(0:13): *
Ô ô, com tanto pau no mato
Embaúba é coroné
Com tanto pau no mato, ê ê
Com tanto pau no mato
Embaúba coroné
* Cf. Stein, p.248: “O jongo seguinte acerca da árvore embaúba e do coronel fazendeiro tipifica o aspecto de duplo sentido nos jongos: Com tanto pau no mato/ Embaúba é coronel. De acordo com um ex-escravo, a embaúba era uma árvore comum, inútil por ser podre por dentro. Muitos fazendeiros eram conhecidos como coronéis porque ocupavam esse posto na Guarda Nacional. Combinando os dois elementos, embaúba e coronel, os escravos produziam o superficialmente inócuo, mas sarcástico comentário.”
14(0:23): *
No tempo de cativeiro
Aturava muito desaforo
Levantava de manhã cedo
Com cara limpa levo o couro, ai
Agora quero ver o cidadão
Que grita no alto do morro
Vai-se Cristo, seu moço
Seu negro agora tá forro
*Stein, p.303: “Amargura, resignação e desforra apareceram em outro verso e refletem como os escravos se ressentiam profundamente da subserviência imposta pela autoridade do senhor: No tempo do cativeiro, aturava muito desaforo/ Eu levantava de manhã cedo, com cara limpa levo o couro. / Agora quero ver o cidadão que grita no alto do morro/ ‘Vas Christo’, seu moço, esta forro seu Negro agora”.
18(0:14):
Oi, soldado
Ai, quando é tempo de guerra
Dia inteiro tá no campo
Ou de noite sentinela, soldado
35(0:18):*
Que correntinha tão bonita,
Sá Dona, auê
Para que correntinha tá no pé,
Sá Dona
Que correntinha tão bonita
Sá Dona, auê
Para que correntinha tá no pé,
Sá Dona, auê
* Cf. Stein, p.172: “O canarinho tão bonitinho, que está preso na gaiola/ P’ra que correntinha está no pé, p’ra quê?”. Stein sugere que este jongo pode ter sido inspirado pelo trabalho em grupo de escravos tidos como “fujões” e acorrentados.
58(0:21)
Ô ô, [...], congonha*
Congonha é que mata homem, é, congonha
[...], congonha
Congonha é que mata homem, é, congonha
* Congonha: aqui, provavelmente “aguardente de cana; cachaça”.
59(0:18):
Pisei na pedra a pedra balanceou
Falou mal de rainha tá me fazendo falsidade
Pisei na pedra a pedra balanceou
Falou mal da rainha tá me fazendo falsidade
60(0:16):
Com tanta fava na horta
Canguru* tá com fome
Oi, com tanta fava na horta
Canguru tá com fome
Com tanta fava na horta
Canguru tá com fome, gente
* Canguru: cf. Kik./kim. ngulu, umb. ongulu “porco”
68(1:02) *
Pai João, Pai João
Preto não mente não
Pai João, Pai João
Preto não mente não
Sou preto véio mas não sou dessa canaia
Meu peito tem três medaia que eu ganhei no Paraguai
Quando eu fiz a guerra dos Canudo
Pra mecê no fim de tudo me chamar de Pai João
Sou preto véio mas sou um dos veterano
Que ajudou seu Floriano a ganhar Vileganhão**
Pai João, Pai João
Preto não mente não
Pai João, Pai João
Preto não mente não
Deixe de bobagem, garotagem e malandragem,
Não podes contar vantagem
Sou preto de opinião
* Eis a letra original da toada composta por Almirante e Luiz Peixoto e gravada por Gastão Fomenti: “Sou preto velho/ Mas não sou dessa canaia/ Meu peito tem três medaia/ Que ganhei no Paraguai/ Comi na faca/ Mais de trinta cangaceiro/ E o Antônio Conselheiro/ Teve quase vai-não-vai/ Pai João, Pai João/ Tás contando vantagem/ Nego não mente não/ Dexa dessas bobagem garotagem/ Que eu sou preto de coragem/ Sou preto de condição/ Sou preto velho/ Mas sou um dos veterano/ Que ajudou Fuloriano/ A tomar Vileganhão/ Sou preto velho/ Mas agora eu vou ser franco/ Eu tô com os cabelo branco/ De tanta desilusão/ Quando era moço/ Fiz a Guerra de Canudo/ Pra mecê no fim de tudo/ Me chamar de Pai João”.
** Trata-se provavelmente de uma referência a um episódio da Revolta da Armada, em 1894, quando as forças leais ao então Presidente Floriano Peixoto enfrentaram e venceram rebeldes entrincheirados na Fortaleza de Villegaignon, na Baía de Guanabara
74(2:04)
É que sabe combinar
[...] sinhá rainha é que soube combinar
Sinhá rainha é que soube combinar
Pegou na pena de ouro
E jogou no meio do mar
Treze de maio a corrente rebentou
No dia treze de maio
A corrente rebentou
A corrente rebentou
Estremeceu [...]
No coração do senhor
A pedra balanceou
Olha eu pisei na pedra
E a pedra balanceou
Pisei na pedra
E a pedra balanceou
Pois o mundo tava torto
Sinhá rainha endireitou
Ai ser peneira na panhação de café
Mas eu queria ser peneira
Na panhação de café
Na panhação de café
Pra andar dependurado
Nas cadeiras das mulher
E no tempo da escravidão
Eu queria que eu chegasse
No tempo da escravidão
Que eu chegasse
No tempo da escravidão
Eu queria ser [...]
Que eu matava o meu patrão
Liberdade foi a rainha quem me deu
Liberdade liberdade
Foi a rainha quem me deu
Ai foi a rainha quem me deu
Com sua pena de ouro
Ela mesma escreveu
Entre nós não há perigo
Tu é bom eu também sou
E entre nós não há perigo
Eu também sou
Entre nós não há perigo
Sentimento que eu tenho
De não saber mais verso antigo
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