Prólogo: “Batuque na cozinha” (João da Baiana) para identificar algumas das transformações (e tensões) do Rio de Janeiro do início da República (ver apostila, texto 27, pp. 69-70)
CARVALHO 1989 - Esquema do texto
- Autor
- Obra
- Estrutura do texto
- Objetivo do texto
- Palavras-chave
- Métodos
- Fontes utilizadas
- Conclusões do texto
- Questões e críticas
- Outras leituras recomendadas
1. Autor: José Murilo de Carvalho (1939-), nascido em Minas Gerais, PhD em Ciência Política pela Universidade de Stanford; já lecionou em várias universidades estrangeiras (Londres, Oxford, Princeton, Leiden, Paris) foi prof. do IUPERJ e pesquisador da Casa de Rui Barbosa; atualmente é prof. Titular do Depto. História da UFRJ desde 1985.
Principais obras:
- A escola de minas de Ouro Preto: o peso da glória (1978)
- A construção da ordem: a elite política imperial (1980, 1996)
- Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (Companhia das Letras, 1987)
- Teatro de sombras (1988, 1996)
- A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil (Companhia das Letras, 1990)
- A cidadania no Brasil: o longo caminho (Civilização Brasileira, 2001)
O autor é um cientista político de formação, e a pesquisa histórica que desenvolveu foi sempre em torno da questão do funcionamento do sistema político brasileiro, inicialmente no período imperial e, a partir de 1987, tratando do período inicial da República. Não poderíamos dizer que esteja preso a uma determinada corrente histórica, mas apesar da temática política, dá bastante atenção à cultura e ao “imaginário”, estando próximo da história cultural, inclusive no uso criativo de fontes como literatura, teatro e iconografia, além das fontes mais tradicionais (estatísticas, documentação oficial etc).
2. Obra: Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi (1987)
Introdução
Capítulo 1: O Rio de Janeiro e a República: “uma descrição da cidade do Rio de Janeiro no início da República, com ênfase especial nas transformações sociais, políticas e culturais trazidas pelo fim do século.” (p.13)
Capítulo 2: República e cidadanias: “examinará as várias concepções de cidadania vigentes à época de mudança do regime.”
Capítulo 3: Cidadãos inativos: a abstenção eleitoral: “examinar o mundo dos cidadãos assim como ele se verificava na capital da República através da participação eleitoral.”
Capítulo 4: Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina: “dedicado ao estudo de uma ação política exemplar – no sentido político e moral – da população: a Revolta da Vacina.
Capítulo 5: Bestializados ou bilontras ?: “procurará reconstituir o mundo da cidadania no Rio de Janeiro e buscar razões para explicá-lo” (p.14)
3. Estrutura do texto
Introdução (9-14):
- A frase de Aristides Lobo e a falta de participação popular na República
- Louis Couty: “o Brasil não tem povo”
- O que isto significa ? Tem-se que investigar a concepção e a prática da cidadania entre o povo
- Tendência maniqueísta: Estado vilão x sociedade vítima
- Esta idéia leva a ver o Estado como um mal necessário (como Sto. Agostinho) ou a rejeitá-lo (anarquistas)
- É preciso pensar em uma relação de mão dupla embora não necessariamente equilibrada; para haver dominação tem que haver legitimidade, mesmo que baseada na apatia
- Transição do Império para a República é um momento adequado para estudar esta questão: mudança de regime e para um que propunha trazer o povo para a atividade política
- Houve até algum entusiasmo entre operários quanto às novas possibilidades de participação abertas pelo regime
- O Rio de Janeiro, enquanto a maior cidade do país, capital política e administrativa, teoricamente seria o melhor local para o desenvolvimento da cidadania
- Objetivo do livro e tema de cada capítulo
- Atualidade do problema da cidadania: (p.14) “o problema da cidadania continua no centro da preocupação de todos nos dias de hoje, quando mais uma mudança de regime se efetua e mais uma tentativa é feita no sentido de construir a comunidade política brasileira.”
Capítulo I: O Rio de Janeiro e a República (15-41)
I. Transformações sofridas pela capital (15-31)
- A primeira década da República como a fase mais turbulenta da hist. R.Jan.: grandes transformações e febril agitação
- Objetivo do capítulo: “tentativa de descrever sumariamente a natureza destas mudanças e examinar as consequências delas advindas para a vida dos fluminenses. Atenção especial será dada ao impacto do novo regime, que se pretendia ancorado na opinião pública, na formação de uma comunidade política na antiga capital do império.”
- Delimitação cronológica: Até o final do governo Rodrigues Alves [1902-6] “quando já estavam nitidamente definidos os vitoriosos e os vencidos e estabelecidos os rumos e a natureza da política republicana”
i. Alterações demográficas, de composição étnica e de estrutura ocupacional: população praticamente dobra entre 1872 e 1890; enorme fluxo de migrantes (inclusive ex-escravos) e imigrantes: em 1890 apenas 45% cariocas; desequilíbrio entre os sexos 56% homens; aumento de ocupações mal remuneradas ou sem ocupação fixa – 100 mil em 1890 e 200 mil em 1906; entre a legalidade e a ilegalidade; 60% prisões em 1890 por desordem, vadiagem, embriaguez e jogo;
ii. Impacto do crescimento populacional sobre as condições de vida: problemas de habitação, abastecimento d’água, saneamento e higiene ==> violento surto de epidemias, 1891 varíola e febre amarela fora as já tradicionais malária e tuberculose; era uma cidade insalubre em que o corpo diplomático fugia para Petrópolis no verão.
iii. Problemas econômicos e financeiros: emissões exageradas de moeda, já no período imperial (para aplacar agricultores ppal// do RJ) e no governo rep. Provisório que queria conquistar a simpatia ==> Encilhamento: febre especulativa (1890-1), com o encarecimento dos produtos importados (consumo conspícuo dos ricos), inflação generalizada (preços duplicados em 1892), queda do câmbio (desvaloriz. Moeda nacional) ==> encarecendo os produtos importados; aumento dos impostos de importação = + carestia; “no primeiro quinquênio republicano houve aumento de 100% nos salários para aumento de 300% nos preços [na prática, em 5 anos, o salário perde metade do seu poder de compra]
iv. Carestia+imigração (competição por trabalho) ==> movimento jacobino, de Floriano (1891-4) até Prudente de Morais (1898) contra os portugueses; metade da década: queda dos preços do café, deflação e recessão econômica;
v. Efervescência política: grandes expectativas de renovação política e de maior participação, Rio se tornara a arena onde iriam se decidir os destinos nacionais; o que acontecia aqui teinha uma repercussão até exagerada: uma tentativa de assassinato, um empastelamento de jornal, uma greve, uma revolta de quartel ou de navio
vi. Intervenções militares: agora julgavam-se donos e salvadores da República, rebelavam-se quartéis, regimentos, fortalezas, navios, a Escola Militar, a esquadra nacional em peso [ver texto 014, p.40, Cronologia dos anos turbulentos do início da República]
vii. Agitações operárias (tentaram organizar-se em partidos, promoveram greves), xenofobia florianista (peqs. Proprietários, empregados, funcionários públicos), clima generalizado de tensão política sobretudo durante a campanha de Canudos (governo Prudente de Morais): quebravam jornais, faziam arruaça, vaiavam congressistas, espancavam e matavam portugueses, perseguiam monarquistas, assassinavam inimigos e tentaram até matar o pres. da República em 1897 (Prud. de Moraes); pol. Republicanos e monarquistas envolviam-se em conspirações e planejavam golpes.
viii. Repressão (deportados em grande número para F.Noronha) aos capoeiras por vingança (Guarda Negra), domesticados e reincorporados;
ix. Maior circulação de idéias: liberalismo, positivismo (já presentes) + socialismo e anarquismo; divisões entre os republicanos (federalistas x centralistas > part. Popular) e entre os positivistas: ortodoxos ou não, civis e militares;
x. Dura repressão aos anarquistas: expulsos 76 estrang. durante gov. Floriano, por simples decreto presidencial (1o. data de 1893), após pedido do Chefe de Polícia
xi. Maior participação dos intelectuais de classe média e artesãos qualificados: propostas de natureza socialista
xii. Entusiasmo dos intelectuais (Bilac p.ex.) pelo governo provisório, mas que acaba com o governo Floriano e as perseguições e prisões, culminando com o suicídio de Raul Pompéia em 1895;
xiii. Ao nível das mentalidades, mudam padrões de moral e honestidade, para pior: febre de enriquecimento a qualquer preço, costumes mais soltos, popularização do pecado...
xiv. Isto apesar da ação moralista (selecionada) do governo republicano: perseguiu o jogo, os capoeiras e o entrudo x abertura de cassinos, casas de corrida, frontões, belódromos + o já tradicional jogo do bicho e casas clandestinas de jogo; “A confiança na sorte, no enriquecimento sem esforço em contraposição ao ganho da vida pelo trabalho honesto parece ter sido incentivada pelo surgimento do novo regime”(28)
xv. República x populares, sobretudo negros (Monarquia é derrubada no auge da sua popularidade); perseguição republicana aos capoeiras, aos bicheiros, demolição do Cabeça de Porco em 1892 pelo prefeito florianista Barata Ribeiro; abismo entre os pobres e a República
II. Consequências para a população da cidade e seu governo e para a relação entre ambos (31-41)
i. O problema central era organizar um novo pacto de poder que permitisse a estabilidade: primeira década com agitações na capital, guerra civil nos estados do sul, crise do café e da dívida externa; os exportadores e todos os que se preocupavam com a unidade do país queriam acabar com a instabilidade política, o que significava, sobretudo, neutralizar a influência da capital: “tirar os militares do governo”e “reduzir o nível de participação popular” (32)
ii. A solução: fortalecer os estados “pacificando e cooptando suas oligarquias”, reunindo-as “em torno de um arranjo que garantisse seu domínio local e sua participação no poder nacional de acordo com o cacife de cada uma” – obra de Campos Sales. (ver TEXTO Campos Sales e a Comissão Verificadora de Poderes – extraído de Lessa, 1999: 146)
iii. “O acordo foi consagrado em 1900, durante o reconhecimento de poderes da nova legislatura. Por ele, presumia-se a legitimidade dos diplomas dos deputados eleitos pelas políticas dominantes nos estados, conseguindo-se assim o apoio dessas políticas para a ação do governo federal”
iv. Medidas de neutralização da capital:
- dissolução da Câmara de Vereadores e criação de Conselho de Intendência, cujos poderes foram logo tolhidos quando queriam votar um Código de Posturas que desagradava aos proprietários;
- a lei orgânica de 1892 previa a eleição dos intendentes pelo voto direto mas o prefeito seria nomeado pelo presidente da República com aprovação do Senado Federal (o que se manteve até o fim da Primeira República)
- Falseamento do processo eleitoral e da representatividade política: intimidação, violência e fraude
- Frequente nomeação de chefes de polícia e de prefeitos alheios à vida da cidade ==> autoritarismo tecnocrático reforçado pelo positivismo (progresso pela ciência + ditadura republicana)
- Ex. Código de Posturas Municipais de 1890, embora bem intencionado com medidas irrealistas para a época (caiar as paredes duas vezes por ano, azulejar cozinhas e banheiros , limitar o n. de hóspedes) mas, “deixava transparecer a preocupação republicana com o controle da população marginal da cidade” (proibia pessoas suspeitas, ébrios, vagabundos, capoeiras e desordeiros em geral), exigia registros detalhados; se a lei fosse aplicada (acabou suspensa) ...
v. Frustrou-se a expectativa inicial de maior participação com a República: desapontados ficam os intelectuais e os operários, os jacobinos foram eliminados;
vi. A representação municipal desvinculou-se do eleitorado abrindo o campo para a corrupção;
vii. E o mundo da desordem foi perversamente absorvido na política (e.g. Totonho e Lucrécio Barba de Bode (Texto n. 24, p.64 – Lucrécio Barba de Bode), transformados em fazedores de eleições e promotores de manifestações; conclui Carvalho (p.38): “A ordem aliava-se à desordem, com a exclusão da massa dos cidadãos que ficava sem espaço político. O marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado.”
viii. O vasto mundo da participação popular no Rio de Janeiro passava ao largo do mundo oficial da política:
- participação comunitária de cunho religioso: festas populares da Penha e da Glória
- entrudo
- comunidades étnicas locais ou habitacionais
- colônias: portuguesa, inglesa, Pequena África
- estalagens
- Cortiço descrito por Aluísio de Azevedo, fortemente unido diante da polícia (ver texto 10, pp. 22-4; A vida no cortiço)
ix. O espírito da belle époque, sonhando-se com o modelo parisiense; quando a política deflacionista de C.Sales recuperou as finanças da República ==> obras de saneamento e embelezamento da cidade, no estilo autoritário e tecnocrático
x. Um dos efeitos das reformas foi diminuir a promiscuidade social afastando os pobres do centro (ver texto 28, pp.70-2, A favela como questão de polícia) e abrindo espaço para o mundo elegante que passou a fazer o footing na Av. Central; era a idéia de europeizar e civilizar o Brasil;
xi. As repúblicas continuaram a viver, por vezes manifestando-se de modo violento como na Revolta da Vacina; a festa da Penha sendo tomada por negros e seus sambas; os ranchos carnavalescos da Pequena África da Saúde e até o futebol que de esporte de elite se transforma em esporte de massa. (p.41)
“Assim, o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo subterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas pela República foram surgindo os elementos que constituiriam uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.” (p.41)
4. Objetivo do texto:
p.13: “já fica evidente que havia algo mais na política do que simplesmente um povo bestializado. Tentar entender que povo era este, qual seu imaginário político e qual sua prática política será a tarefa que enfrentaremos ao longo dos capítulos deste livro.”
5. Palavras-chave
Imaginário político
Prática política
Cultura Popular
Pacto Oligárquico
6. Métodos
- O autor quer investigar uma questão de ciência política, a saber: de que forma se deu a participação política no início da república no Brasil e os motivos pelos quais ela não se deu da forma “clássica”. É um estudo de caso, com questões de ciência política a serem respondidas através da análise de um exemplo histórico.
7. Fontes utilizadas
- Código de posturas
- Estatísticas demográficas e econômicas (inflação x salários)
- Literatura (L.Barreto, A.Azevedo, João do Rio, revistas de ano)
- Periódicos
- Documentação diplomática
- Documentação policial
- Obras política, p.ex. Campos Sales
8. Conclusões do texto
- São várias, mas há três mais importantes:
i. Novo pacto oligárquico para neutralizar militares e populares
ii. Frustrou-se a expectativa inicial de maior participação com a República: desapontados ficam os intelectuais e os operários, os jacobinos foram eliminados; consequências
- A representação municipal desvinculou-se do eleitorado abrindo o campo para a corrupção;
- E o mundo da desordem foi perversamente absorvido na política (e.g. Totonho e Lucrécio Barba de Bode (Texto n. 24, p.64 – Lucrécio Barba de Bode), transformados em fazedores de eleições e promotores de manifestações; conclui Carvalho (p.38): “A ordem aliava-se à desordem, com a exclusão da massa dos cidadãos que ficava sem espaço político. O marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado.”
- O vasto mundo da participação popular no Rio de Janeiro passava ao largo do mundo oficial da política:
- participação comunitária de cunho religioso: festas populares da Penha e da Glória
- entrudo
- comunidades étnicas locais ou habitacionais
- colônias: portuguesa, inglesa, Pequena África
- estalagens
- Cortiço descrito por Aluísio de Azevedo, fortemente unido diante da polícia (ver texto 10, pp. 22-4; A vida no cortiço)
iii. “Assim, o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo subterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas pela República foram surgindo os elementos que constituiriam uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.” (p.41)
9. Questões e críticas
10. Outras leituras recomendadas
LESSA,Renato. A invenção republicana. Rio de Janeiro:Topbooks, 1999. Sobretudo o capítulo 4: “Saindo do caos: os procedimentos do pacto”
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