terça-feira, 2 de setembro de 2008

Esquema de Carvalho 1989, Introdução e Cap. 1

Prólogo: “Batuque na cozinha” (João da Baiana) para identificar algumas das transformações (e tensões) do Rio de Janeiro do início da República (ver apostila, texto 27, pp. 69-70)

CARVALHO 1989 - Esquema do texto

  1. Autor
  2. Obra
  3. Estrutura do texto
  4. Objetivo do texto
  5. Palavras-chave
  6. Métodos
  7. Fontes utilizadas
  8. Conclusões do texto
  9. Questões e críticas
  10. Outras leituras recomendadas

1. Autor: José Murilo de Carvalho (1939-), nascido em Minas Gerais, PhD em Ciência Política pela Universidade de Stanford; já lecionou em várias universidades estrangeiras (Londres, Oxford, Princeton, Leiden, Paris) foi prof. do IUPERJ e pesquisador da Casa de Rui Barbosa; atualmente é prof. Titular do Depto. História da UFRJ desde 1985.

Principais obras:

- A escola de minas de Ouro Preto: o peso da glória (1978)

- A construção da ordem: a elite política imperial (1980, 1996)

- Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi (Companhia das Letras, 1987)

- Teatro de sombras (1988, 1996)

- A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil (Companhia das Letras, 1990)

- A cidadania no Brasil: o longo caminho (Civilização Brasileira, 2001)

O autor é um cientista político de formação, e a pesquisa histórica que desenvolveu foi sempre em torno da questão do funcionamento do sistema político brasileiro, inicialmente no período imperial e, a partir de 1987, tratando do período inicial da República. Não poderíamos dizer que esteja preso a uma determinada corrente histórica, mas apesar da temática política, dá bastante atenção à cultura e ao “imaginário”, estando próximo da história cultural, inclusive no uso criativo de fontes como literatura, teatro e iconografia, além das fontes mais tradicionais (estatísticas, documentação oficial etc).

2. Obra: Os Bestializados: O Rio de Janeiro e a República que não foi (1987)

Introdução

Capítulo 1: O Rio de Janeiro e a República: “uma descrição da cidade do Rio de Janeiro no início da República, com ênfase especial nas transformações sociais, políticas e culturais trazidas pelo fim do século.” (p.13)

Capítulo 2: República e cidadanias: “examinará as várias concepções de cidadania vigentes à época de mudança do regime.”

Capítulo 3: Cidadãos inativos: a abstenção eleitoral: “examinar o mundo dos cidadãos assim como ele se verificava na capital da República através da participação eleitoral.”

Capítulo 4: Cidadãos ativos: a Revolta da Vacina: “dedicado ao estudo de uma ação política exemplar – no sentido político e moral – da população: a Revolta da Vacina.

Capítulo 5: Bestializados ou bilontras ?: “procurará reconstituir o mundo da cidadania no Rio de Janeiro e buscar razões para explicá-lo” (p.14)

3. Estrutura do texto

Introdução (9-14):

- A frase de Aristides Lobo e a falta de participação popular na República

- Louis Couty: “o Brasil não tem povo”

- O que isto significa ? Tem-se que investigar a concepção e a prática da cidadania entre o povo

- Tendência maniqueísta: Estado vilão x sociedade vítima

- Esta idéia leva a ver o Estado como um mal necessário (como Sto. Agostinho) ou a rejeitá-lo (anarquistas)

- É preciso pensar em uma relação de mão dupla embora não necessariamente equilibrada; para haver dominação tem que haver legitimidade, mesmo que baseada na apatia

- Transição do Império para a República é um momento adequado para estudar esta questão: mudança de regime e para um que propunha trazer o povo para a atividade política

- Houve até algum entusiasmo entre operários quanto às novas possibilidades de participação abertas pelo regime

- O Rio de Janeiro, enquanto a maior cidade do país, capital política e administrativa, teoricamente seria o melhor local para o desenvolvimento da cidadania

- Objetivo do livro e tema de cada capítulo

- Atualidade do problema da cidadania: (p.14) “o problema da cidadania continua no centro da preocupação de todos nos dias de hoje, quando mais uma mudança de regime se efetua e mais uma tentativa é feita no sentido de construir a comunidade política brasileira.”

Capítulo I: O Rio de Janeiro e a República (15-41)

I. Transformações sofridas pela capital (15-31)

- A primeira década da República como a fase mais turbulenta da hist. R.Jan.: grandes transformações e febril agitação

- Objetivo do capítulo: “tentativa de descrever sumariamente a natureza destas mudanças e examinar as consequências delas advindas para a vida dos fluminenses. Atenção especial será dada ao impacto do novo regime, que se pretendia ancorado na opinião pública, na formação de uma comunidade política na antiga capital do império.”

- Delimitação cronológica: Até o final do governo Rodrigues Alves [1902-6] “quando já estavam nitidamente definidos os vitoriosos e os vencidos e estabelecidos os rumos e a natureza da política republicana”

i. Alterações demográficas, de composição étnica e de estrutura ocupacional: população praticamente dobra entre 1872 e 1890; enorme fluxo de migrantes (inclusive ex-escravos) e imigrantes: em 1890 apenas 45% cariocas; desequilíbrio entre os sexos 56% homens; aumento de ocupações mal remuneradas ou sem ocupação fixa – 100 mil em 1890 e 200 mil em 1906; entre a legalidade e a ilegalidade; 60% prisões em 1890 por desordem, vadiagem, embriaguez e jogo;

ii. Impacto do crescimento populacional sobre as condições de vida: problemas de habitação, abastecimento d’água, saneamento e higiene ==> violento surto de epidemias, 1891 varíola e febre amarela fora as já tradicionais malária e tuberculose; era uma cidade insalubre em que o corpo diplomático fugia para Petrópolis no verão.

iii. Problemas econômicos e financeiros: emissões exageradas de moeda, já no período imperial (para aplacar agricultores ppal// do RJ) e no governo rep. Provisório que queria conquistar a simpatia ==> Encilhamento: febre especulativa (1890-1), com o encarecimento dos produtos importados (consumo conspícuo dos ricos), inflação generalizada (preços duplicados em 1892), queda do câmbio (desvaloriz. Moeda nacional) ==> encarecendo os produtos importados; aumento dos impostos de importação = + carestia; “no primeiro quinquênio republicano houve aumento de 100% nos salários para aumento de 300% nos preços [na prática, em 5 anos, o salário perde metade do seu poder de compra]

iv. Carestia+imigração (competição por trabalho) ==> movimento jacobino, de Floriano (1891-4) até Prudente de Morais (1898) contra os portugueses; metade da década: queda dos preços do café, deflação e recessão econômica;

v. Efervescência política: grandes expectativas de renovação política e de maior participação, Rio se tornara a arena onde iriam se decidir os destinos nacionais; o que acontecia aqui teinha uma repercussão até exagerada: uma tentativa de assassinato, um empastelamento de jornal, uma greve, uma revolta de quartel ou de navio

vi. Intervenções militares: agora julgavam-se donos e salvadores da República, rebelavam-se quartéis, regimentos, fortalezas, navios, a Escola Militar, a esquadra nacional em peso [ver texto 014, p.40, Cronologia dos anos turbulentos do início da República]

vii. Agitações operárias (tentaram organizar-se em partidos, promoveram greves), xenofobia florianista (peqs. Proprietários, empregados, funcionários públicos), clima generalizado de tensão política sobretudo durante a campanha de Canudos (governo Prudente de Morais): quebravam jornais, faziam arruaça, vaiavam congressistas, espancavam e matavam portugueses, perseguiam monarquistas, assassinavam inimigos e tentaram até matar o pres. da República em 1897 (Prud. de Moraes); pol. Republicanos e monarquistas envolviam-se em conspirações e planejavam golpes.

viii. Repressão (deportados em grande número para F.Noronha) aos capoeiras por vingança (Guarda Negra), domesticados e reincorporados;

ix. Maior circulação de idéias: liberalismo, positivismo (já presentes) + socialismo e anarquismo; divisões entre os republicanos (federalistas x centralistas > part. Popular) e entre os positivistas: ortodoxos ou não, civis e militares;

x. Dura repressão aos anarquistas: expulsos 76 estrang. durante gov. Floriano, por simples decreto presidencial (1o. data de 1893), após pedido do Chefe de Polícia

xi. Maior participação dos intelectuais de classe média e artesãos qualificados: propostas de natureza socialista

xii. Entusiasmo dos intelectuais (Bilac p.ex.) pelo governo provisório, mas que acaba com o governo Floriano e as perseguições e prisões, culminando com o suicídio de Raul Pompéia em 1895;

xiii. Ao nível das mentalidades, mudam padrões de moral e honestidade, para pior: febre de enriquecimento a qualquer preço, costumes mais soltos, popularização do pecado...

xiv. Isto apesar da ação moralista (selecionada) do governo republicano: perseguiu o jogo, os capoeiras e o entrudo x abertura de cassinos, casas de corrida, frontões, belódromos + o já tradicional jogo do bicho e casas clandestinas de jogo; “A confiança na sorte, no enriquecimento sem esforço em contraposição ao ganho da vida pelo trabalho honesto parece ter sido incentivada pelo surgimento do novo regime”(28)

xv. República x populares, sobretudo negros (Monarquia é derrubada no auge da sua popularidade); perseguição republicana aos capoeiras, aos bicheiros, demolição do Cabeça de Porco em 1892 pelo prefeito florianista Barata Ribeiro; abismo entre os pobres e a República

II. Consequências para a população da cidade e seu governo e para a relação entre ambos (31-41)

i. O problema central era organizar um novo pacto de poder que permitisse a estabilidade: primeira década com agitações na capital, guerra civil nos estados do sul, crise do café e da dívida externa; os exportadores e todos os que se preocupavam com a unidade do país queriam acabar com a instabilidade política, o que significava, sobretudo, neutralizar a influência da capital: “tirar os militares do governo”e “reduzir o nível de participação popular” (32)

ii. A solução: fortalecer os estados “pacificando e cooptando suas oligarquias”, reunindo-as “em torno de um arranjo que garantisse seu domínio local e sua participação no poder nacional de acordo com o cacife de cada uma” – obra de Campos Sales. (ver TEXTO Campos Sales e a Comissão Verificadora de Poderes – extraído de Lessa, 1999: 146)

iii. “O acordo foi consagrado em 1900, durante o reconhecimento de poderes da nova legislatura. Por ele, presumia-se a legitimidade dos diplomas dos deputados eleitos pelas políticas dominantes nos estados, conseguindo-se assim o apoio dessas políticas para a ação do governo federal”

iv. Medidas de neutralização da capital:

- dissolução da Câmara de Vereadores e criação de Conselho de Intendência, cujos poderes foram logo tolhidos quando queriam votar um Código de Posturas que desagradava aos proprietários;

- a lei orgânica de 1892 previa a eleição dos intendentes pelo voto direto mas o prefeito seria nomeado pelo presidente da República com aprovação do Senado Federal (o que se manteve até o fim da Primeira República)

- Falseamento do processo eleitoral e da representatividade política: intimidação, violência e fraude

- Frequente nomeação de chefes de polícia e de prefeitos alheios à vida da cidade ==> autoritarismo tecnocrático reforçado pelo positivismo (progresso pela ciência + ditadura republicana)

- Ex. Código de Posturas Municipais de 1890, embora bem intencionado com medidas irrealistas para a época (caiar as paredes duas vezes por ano, azulejar cozinhas e banheiros , limitar o n. de hóspedes) mas, “deixava transparecer a preocupação republicana com o controle da população marginal da cidade” (proibia pessoas suspeitas, ébrios, vagabundos, capoeiras e desordeiros em geral), exigia registros detalhados; se a lei fosse aplicada (acabou suspensa) ...

v. Frustrou-se a expectativa inicial de maior participação com a República: desapontados ficam os intelectuais e os operários, os jacobinos foram eliminados;

vi. A representação municipal desvinculou-se do eleitorado abrindo o campo para a corrupção;

vii. E o mundo da desordem foi perversamente absorvido na política (e.g. Totonho e Lucrécio Barba de Bode (Texto n. 24, p.64 – Lucrécio Barba de Bode), transformados em fazedores de eleições e promotores de manifestações; conclui Carvalho (p.38): “A ordem aliava-se à desordem, com a exclusão da massa dos cidadãos que ficava sem espaço político. O marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado.”

viii. O vasto mundo da participação popular no Rio de Janeiro passava ao largo do mundo oficial da política:

- participação comunitária de cunho religioso: festas populares da Penha e da Glória

- entrudo

- comunidades étnicas locais ou habitacionais

- colônias: portuguesa, inglesa, Pequena África

- estalagens

- Cortiço descrito por Aluísio de Azevedo, fortemente unido diante da polícia (ver texto 10, pp. 22-4; A vida no cortiço)

ix. O espírito da belle époque, sonhando-se com o modelo parisiense; quando a política deflacionista de C.Sales recuperou as finanças da República ==> obras de saneamento e embelezamento da cidade, no estilo autoritário e tecnocrático

x. Um dos efeitos das reformas foi diminuir a promiscuidade social afastando os pobres do centro (ver texto 28, pp.70-2, A favela como questão de polícia) e abrindo espaço para o mundo elegante que passou a fazer o footing na Av. Central; era a idéia de europeizar e civilizar o Brasil;

xi. As repúblicas continuaram a viver, por vezes manifestando-se de modo violento como na Revolta da Vacina; a festa da Penha sendo tomada por negros e seus sambas; os ranchos carnavalescos da Pequena África da Saúde e até o futebol que de esporte de elite se transforma em esporte de massa. (p.41)

“Assim, o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo subterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas pela República foram surgindo os elementos que constituiriam uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.” (p.41)

4. Objetivo do texto:

p.13: “já fica evidente que havia algo mais na política do que simplesmente um povo bestializado. Tentar entender que povo era este, qual seu imaginário político e qual sua prática política será a tarefa que enfrentaremos ao longo dos capítulos deste livro.”

5. Palavras-chave

Imaginário político

Prática política

Cultura Popular

Pacto Oligárquico

6. Métodos

- O autor quer investigar uma questão de ciência política, a saber: de que forma se deu a participação política no início da república no Brasil e os motivos pelos quais ela não se deu da forma “clássica”. É um estudo de caso, com questões de ciência política a serem respondidas através da análise de um exemplo histórico.

7. Fontes utilizadas

- Código de posturas

- Estatísticas demográficas e econômicas (inflação x salários)

- Literatura (L.Barreto, A.Azevedo, João do Rio, revistas de ano)

- Periódicos

- Documentação diplomática

- Documentação policial

- Obras política, p.ex. Campos Sales

8. Conclusões do texto

- São várias, mas há três mais importantes:

i. Novo pacto oligárquico para neutralizar militares e populares

ii. Frustrou-se a expectativa inicial de maior participação com a República: desapontados ficam os intelectuais e os operários, os jacobinos foram eliminados; consequências

- A representação municipal desvinculou-se do eleitorado abrindo o campo para a corrupção;

- E o mundo da desordem foi perversamente absorvido na política (e.g. Totonho e Lucrécio Barba de Bode (Texto n. 24, p.64 – Lucrécio Barba de Bode), transformados em fazedores de eleições e promotores de manifestações; conclui Carvalho (p.38): “A ordem aliava-se à desordem, com a exclusão da massa dos cidadãos que ficava sem espaço político. O marginal virava cidadão e o cidadão era marginalizado.”

- O vasto mundo da participação popular no Rio de Janeiro passava ao largo do mundo oficial da política:

- participação comunitária de cunho religioso: festas populares da Penha e da Glória

- entrudo

- comunidades étnicas locais ou habitacionais

- colônias: portuguesa, inglesa, Pequena África

- estalagens

- Cortiço descrito por Aluísio de Azevedo, fortemente unido diante da polícia (ver texto 10, pp. 22-4; A vida no cortiço)

iii. “Assim, o mundo subterrâneo da cultura popular engoliu aos poucos o mundo subterrâneo da cultura das elites. Das repúblicas renegadas pela República foram surgindo os elementos que constituiriam uma primeira identidade coletiva da cidade, materializada nas grandes celebrações do carnaval e do futebol.” (p.41)

9. Questões e críticas

10. Outras leituras recomendadas

LESSA,Renato. A invenção republicana. Rio de Janeiro:Topbooks, 1999. Sobretudo o capítulo 4: “Saindo do caos: os procedimentos do pacto”

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