terça-feira, 26 de agosto de 2008

A hipótese acerca da rebeldia escrava como fator da Abolição e seu questionamento

Rebeldia escrava ==> medo ==> Abolição ?

A Hipótese:

“Na virada das décadas de 1860 e 1870, os relatórios dos chefes de polícia dirigidos aos presidentes de província expressam uma crescente preocupação com as lutas dos escravos. Individualmente ou em pequenos grupos, de forma premeditada ou não, eles se revoltavam e matavam, e ao invés de simplesmente fugir, como era costumeiro (...) começaram a se apresentar espontaneamente à polícia, como se julgassem de seu direito matar quem os oprimia. (...)

“ao longo da década de 1870, grande parte das atenções das autoridades policiais convergia para a questão dos crimes diários de escravos contra senhores, administradores e respectivas famílias.

É possível que as relações sempre conflituosas entre senhores e escravos estivessem agora a vivenciar um novo momento histórico, com o espaço de produção tornando-se palco privilegiado das revoltas individuais e coletivas dos negros escravizados. Isto quer dizer que a resistência escrava estaria se concretizando cada vez mais no próprio lugar de trabalho (no eito e no interior das moradias dos senhores)” (p.181)

“Ao final da década [de 1870], o chefe de polícia (...) queixava-se de que ‘certos meios de intimidação’, à margem da lei, não produziam grandes resultados (...) e enquanto isso, os crimes continuavam a se reproduzir ‘com frequência’ (...) ‘Com uma população superior a 150.000 almas a prudência deve aconselhar medidas que desarmem o braço homicida do escravo’ (p.199)

“Enquanto os anos 70 revelam-se marcados pelos crimes cometidos individualmente ou em pequenos grupos de escravos, os primeiros anos da década de 80 primam pelas revoltas coletivas ou insurreições, registradas em fazendas de diversos municípios” (p.199)

“dificilmente alguma medida disciplinar seria capaz de impedir a recrudescência da violência naqueles anos tormentosos de um regime de trabalho já bastante desacreditado e que cada vez mais perdia seus adeptos para as fileiras emancipacionistas e abolicionistas.

Em 1881 começam a aparecer sinais mais insistentes de apoio popular à causa dos escravos (...) Em 1881 deu-se ‘uma malograda tentativa de insurreição’ de escravos em alguns municípios do norte da província (...) E esta tentativa teria sido insuflada por elementos vindos do Rio de Janeiro.” (p.200)

“Aproveitando-se deste debate nacional sobre trabalho e nacionalidade, que em meados da década de 1860 começa a produzir as imagens contrapostas do negro incapaz/ migrante capaz, os políticos paulistas tratam de praticar o projeto imigrantista. Não o fizeram, porém, por uma questão de pura adesão aos ideais racistas ou às modernas teorias científicas raciais trazidas na bagagem de diversos jovens de elite que faziam seus cursos superiores na Europa. Longe de constituir uma mera importação de idéias, esta adesão ao racismo científico transcorreu na medida mesma da exacerbação das lutas entre escravos e senhores.

A preocupação com o aumento ‘avassalador’ dos crimes e revoltas de escravos por toda a província de São Paulo constituiu um dos grandes temas de debate dos deputados provinciais que nos anos 70 confrontaram-se com o problema da próxima extinção da escravatura.” (p.255)

“Ao mesmo tempo, os parlamentares provinciais atiraram-se cada vez mais à formulação de projetos imigrantistas, apresentados com esmeradas argumentações de cunho racial em favor do trabalhador branco, ou quando muito em apoio à vinda temporária de colonos chineses, que abririam caminho para a imigração tão ansiada de membros da raça superior ariana.” (p.256)

“A partir de meados de 1887, com as fugas massivas de escravos e maior atuação dos abolicionistas, começam também as manifestações de negros nas ruas da capital e cidades do interior. Seus protestos, bem como a ação violenta de grupos armados a serviço dos proprietários escravistas, indicam o nível de radicalização a que haviam chegado tais conflitos, abertos e generalizados em toda a província.” (p.257)

Fonte: AZEVEDO,Celia M.Marinho de. Onda negra, medo branco; o negro no imaginário das elites – século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

A refutação ?:

Críticas à associação entre rebeldia negra e escravidão em:

CARDOSO,Ciro F. S. (Org.) Escravidão e Abolição no Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988. pp.89-90.

89 “estando a rebeldia negra presente desde o início da escravidão de africanos e sendo, assim, traço estrutural da própria sociedade escravista, a demonstração de que possa ter tido um peso específico considerável no processo da abolição teria por força de seguir um de dois caminhos:

1) provar uma incidência quantitativamente maior de movimentos em 1850-1888, ou alternativamente, diferenças radicais no caráter desses movimentos;

2) ou mostrar como, nas novas condições inauguradas com a abolição do tráfico africano em 1850, mesmo uma incidência similar à do passado teria um peso maior na fragilização e crise do sistema escravista e, portanto, em sua superação.

90 Continuo achando que uma demonstração de algum destes tipos está ainda por ser feita de forma metodologicamente aceitável e, portanto, convincente.”

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